10 anos depois, Marco Civil da Internet corre os mesmos riscos

Nesta rápida entrevista, Demi Getschko, o pai da internet do Brasil, revisita com clareza cristalina dois desafios como a neutralidade e a inimputabilidade da rede, que são bases do Marco Civil da Internet. Aliás, a entrevista a Luís Osvaldo Grossmann serve de diagnóstico dos dez anos desta importante lei…

Guia literário para entender as redes sociais (e avaliar a permanência nelas)

Um dos assuntos mais efervescentes sobre tecnologia no momento é a regulação das plataformas digitais. Em linhas gerais, sociedades e governos têm sinalizado que as empresas que estão cada vez mais onipresentes em nossas vidas precisam de limites. Como elas devem ser responsabilizadas pelos efeitos que geram? Quem deve fiscalizar isso? Como podemos fazer isso sem prejudicar direitos, liberdades, criatividade e inovação?

O parlamento brasileiro está prestes a votar o projeto de Lei sobre Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630), também chamado de PL das Fake News. Se sua cabeça está confusa com o tema, um bom atalho é este aqui e aqui tem outro. E se você quiser saber mais sobre a coisa, eu preparei um pequeno manual de sobrevivência no assunto com 30 sugestões de livros. Vou chamar de Guia Literário para Entender as Redes Sociais (e Avaliar a Permanência Nelas). É uma lista pessoal, composta apenas por livros que li e recomendo. A maior parte deles está disponível em português (links de compra nos títulos), e a lista não segue uma ordem de importância de leitura. Aliás, a lista pode ser atualizada frequentemente e sem qualquer aviso. Fique à vontade para sugerir outros títulos…

A máquina do caos – Max Fischer
Excelente esforço de reportagem que mostra como as grandes empresas do Vale do Silício se tornaram as gigantes atuais e como pequenas e grandes decisões comerciais, políticas e de engenharia transformaram as redes sociais numa indústria que alimenta o ódio e o extremismo, destroçando reputações pessoais e esgarçando o tecido social. Texto ágil, bem escrito e com muita documentação de casos. A leitura do capítulo 11 – A ditadura da curtida – dá muitos calafrios porque coloca uma lupa sobre a ascensão da extrema-direita no Brasil e todo o chorume que nos cerca. Compre aqui

Big Tech: ascensão dos dados e a morte da política – Evgeny Morozov
Se você tem um problema, deve haver um app que solucione isso. Mais do que um chamamento deslumbrado do capitalismo, essa frase ajuda a fortalecer a ideia de que a tecnologia pode resolver tudo. Este livro mostra que não e coloca as coisas nos devidos lugares: certas questões precisam ser enfrentadas de outra maneira e fora das grandes corporações de tecnologia.

O filtro invisível – Eli Pariser
O livro foi publicado por aqui há mais de dez anos, e tem uma permanência absurda porque apresenta uma ideia bastante central no tema das redes sociais: os filtro-bolha. Aquela coisa de que as redes sociais acabam nos colocando em bolhas de interesses comuns, nos isolando de pontos de vista diferentes, por exemplo. Isso é feito porque essas redes são projetadas para serem ambientes acolhedores, agradáveis e que nos motivem a ficar cada vez mais imersos neles. Ler este livro hoje e perceber como as coisas se mantêm cada vez piores é assustador.

Colonialismo de dados – João Francisco Cassino e outros
Acabou o tempo em que países eram invadidos, anexados e dominados por outros. Agora, estão todos livres. Peralá! O neoliberalismo é astuto e se transmuta rapidamente. Por que não exercer poder avassalador numa época em que é possível extrair dinheiro e poder dos dados que as pessoas oferecem espontaneamente? Esta coletânea ajuda a pensar assuntos como soberania digital, opacidade de algoritmos, exploração e resistência.

O círculo – Dave Eggers
As maiores empresas do mundo não se contentam mais em dizer o que devemos consumir, em como nos comportar e o que é mais relevante na vida social. Agora, elas querem também substituir outras instituições humanas, como o poder político. Diferente dos outros, este livro é uma obra de ficção. Será?!

A máquina do ódio – Patricia Campos Melo
A premiada jornalista brasileira mescla experiência pessoal e reportagem para mostrar como as redes sociais funcionam como ambiente tóxico de perseguição, agressão e misoginia. Sobram por aqui discursos de ódio, ultra-polarização política e ausência de controle sobre empresas transnacionais que manipulam consciências, instigam sentimentos e manejam comportamentos.

Os engenheiros do caos – Giuliano Da Empoli
Sabe aquele youtuber idiota que se torna o deputado federal mais votado? Sabe a influenciadora digital que, do dia pra noite, se transforma na líder de um movimento social barulhento e influente? Pois é, esta obra ajuda a compreender como funciona o fenômeno de políticos criados e hipertrofiados na internet. Se você pensa que o populismo digital é um problema só nosso e dos EUA, precisa ver o que já aconteceu na Europa…

Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais – Jaron Lanier
Este é um livro escrito por quem tem nojo e pavor da tecnologia, certo? Errado. O autor é uma das maiores referências da realidade virtual e sabe muito bem como funciona a mentalidade de empreendedores, engenheiros, hackers e outros elementos da fauna do Vale do Silício. Ele está lá, no intestino do monstro. De forma clara e com exemplos muito intuitivos, Lanier nos mostra por A + B que precisamos escapar dessas armadilhas. Aproveite e escolha o animal que você prefere ser na internet….

A era do capitalismo de vigilância – Shoshana Zuboff
Livro acadêmico, com farta documentação científica, e que se dedica a elaborar o conceito que dá nome à obra. Para além de explorar dividendos a partir de formas variadas de consumo, os grandes players do mercado exercem uma função de controle social e vigilância constante. Não é uma leitura para iniciantes, mas que pode ser enfrentada por qualquer pessoa que esteja genuinamente interessada em como tecnologia, economia e política caminham juntas e se cruzam.

Eterna vigilância – Edward Snowden
Se o seu barato não é livro acadêmico, vá por essa eletrizante narrativa pessoal do sujeito que contou ao mundo parte do poder monstruoso exercido pelas big techs em conluio com governos politicamente interessados no caos geopolítico. Tá tudo lá: vigilância tecnológica, sistemas e doutrinas de choque…

Tudo sobre tod@s – Sergio Amadeu da Silveira
Há mais de cinco anos, este autor já explicava tim-tim por tim-tim como as redes digitais extraem e processam nossos dados pessoais e como geram perfis de consumo, hábitos culturais, predisposições ideológicas. Se já era assim antes, imagine agora. Leitura fácil e didática.

Manipulados – Brittany Kaiser
Um dos escândalos mais lembrados do abuso de poder das grandes plataformas é o caso da Cambridge Analytica no Facebook. O episódio é contado – não totalmente, sejamos honestos – por uma das pessoas que mais têm autoridade para fazer, afinal, ela estava lá…

A morte da verdade – Michiko Kakutani
O foco da autora é a emergência dessa maluquice que tem muitos nomes: pós-verdade, negacionismo, império dos fatos alternativos e o escambau. Ela se debruça sobre o começo do governo Trump, e todos sabemos que esse sujeito laranja só se tornou presidente por impulso das redes sociais. Ao ler o livro, faça um experimento: substitua a palavra “Trump” por “Bolsonaro” e veja o que acontece.

Algoritmos para viver – Brian Christian e Tom Griffiths
Numa prosa atraente, esses dois cientistas mostram como podemos aprender bastante do comportamento humano a partir da matemática e da programação de computadores. Problemas banais como quando escolher o melhor lugar para estacionar ajudam a pensar em previsibilidade, agendamento e construção coletiva.

Ética para máquinas – José Ignacio Latorre
O livro ainda não foi traduzido do espanhol, e quando for, merecerá diversas notas e apêndices para atualizar a discussão, que não para de crescer nos últimos meses. O que tem a ver com regulação das plataformas? Ora, grande parte do funcionamento dos sistemas delas está apoiada em aprendizagem de máquina, algoritmos preditivos, inteligência artificial e outras temas que este livro trata. Achei que ele demora um pouco para fazer a tal discussão ética que está no título, mas vale conhecer.

Quando o Google encontrou o WikiLeaks  – Julian Assange
O livro tem quase dez anos e quanto mais o tempo passa, mais ficam claras as distâncias entre uma internet que poderia mais aberta, universal e emancipatória e outra, com jardins murados, ideologia californiana, apetite insaciável por startups, extração de dados e abusos econômicos. Assange segue preso e Eric Schmidt, Peter Thiel, Zuckerberg, Musk e outros continuam soltos…

Cypherpunks: liberdade e futuro da internet – Julian Assange e outros
Aliás, já que olhamos um pouco para o retrovisor, vamos voltar algumas casas. Este livro da década passada traz diálogos ainda muito inspiradores sobre como podemos moldar a internet nos terrenos do conhecimento, da informação, da participação política, da vivência das liberdades, da economia e dos direitos…

Algoritmos de destruição em massa – Cathy O’Neil
Se você pensa que os algoritmos são apenas aquelas linhas de comando no computador que te convencem a comprar um produto ou outro, abra sua cabeça. A autora – que é matemática e especialista em métricas – mostra casos reais em que sistemas – alimentados por algoritmos – fazem de tudo para excluir pessoas, segregar camadas da sociedade e aumentar ainda mais a desigualdade. Quando li, era coordenador de um programa de pós-graduação e fiquei semanas noiado pensando em como contribuímos para modelos de produção científica que funcionam como moedores de carne…

Sociedade vigiada – Ladislau Dowbor (org.)
Coletânea de textos que discute como as grandes corporações tecnológicos se aproveitam de engenharia social, brechas tecnológicas, atalhos psicológicos e ausência de leis para invadir a nossa privacidade, atropelar direitos digitais e corroer a democracia. Easter egg: o nome do organizador está errado na capa da edição que tenho aqui. Apesar disso, dois ou três capítulos valem muito.

Datanomics – Paloma Llaneza
Uma visão europeia, e principalmente espanhola, sobre o tema do recolhimento e tratamento de dados pessoais pelas plataformas. Uma visão sobre como o direito de lá olha para a privacidade em toda a parte. O livro também não foi traduzido para o português ainda.

A superindústria do imaginário – Eugenio Bucci
Uma discussão sobre o poder das big techs não apenas pelo viés da comunicação, da política, da hegemonia e da tecnologia, mas também com pinceladas fortes de psicanálise. Sedução, desejo, narcisismo e outras parafernálias libinais nos atravessam quando nos conectamos às redes, ensina o Bucci.

Fake news: como as plataformas enfrentam a desinformação  – Intervozes
Que tal um olhar brasileiro e rigoroso sobre como as gigantes da tecnologia estão combatendo as mentiras, os boatos e as teorias de conspiração? Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e WhatsApp são estudados em detalhes e a notícia final não é nada boa. Aliás, você pode baixar o livro de graça aqui.

O mundo do avesso: verdade e política na era digital – Letícia Cesarino
Com todos os olhos da antropologia e todos os pés na cibernética, a autora mergulha nos devaneios que só foram possíveis nos devastadores anos daquele governo, talquei? Obra acadêmica, com camadas profundas de discussão sobre aspectos cognitivos e impactos da política algorítmica no Brasil. O festival de bizarrices que colhemos deveria ser suficiente para frear tudo e regular as plataformas já!

A liberdade de expressão e as novas mídias – José Eduardo Faria (organizador)
Coletânea acadêmica com forte ênfase no direito e que nos permite ter um debate sério sobre fake news, discurso de ódio, direito ao esquecimento e a utopia que as plataformas tentam nos convencer de que existe. Alguns textos envelheceram rapidamente, mas ainda iluminam áreas nubladas da discussão no Brasil.

Algoritmos da opressão – Safiya Umoja Noble
Dizer que o Google ganha dinheiro com racismo pode parecer forte, né? Te desafio a ler o livro e continuar a pensar que se trata de radicalismo.

Racismo algorítmico – Tarcísio Silva
Se a leitura anterior ainda não te convenceu da necessidade de regular as plataformas e exigir delas transparência sobre seus algoritmos e controle rígido sobre os vieses discriminatórios, este livro com olhar genuinamente brasileiro vai cuidar disso.

Liberdade e resistência na economia da atenção – James Williams
Avalie seu comportamento quando estiver conectado em suas redes sociais. Perceba seus hábitos e as oscilações do seu humor. E perceba como o foco, a concentração e atenção são drenadas. Mais um efeito perverso das big techs que não pode ser ignorado.

Para além das máquinas de adorável graça – Rafael Evangelista
Houve um tempo em que o Vale do Silício se guiava também por uma cultura e uma ética hacker. Ler este livro nos leva a pensar como a internet estaria hoje se a ganância, a arrogância e o tecno-solucionismo não tivessem contaminado o DNA do ecossistema de tecnologia mais poderoso da história.

Privacidade é poder – Carissa Véliz
Uma indisfarçável visão otimista sobre como podemos lançar mão da própria privacidade para retomar nossos direitos em tempos de redes sociais. Um desses livros que chegam a ser inspiradores e motivacionais em meio aos escombros em que vivemos.

A ideologia californiana – Richard Barbrook e Andy Cameron
Gente esperta, descolada, poderosa e muito endinheirada. Gente que decide os rumos da humanidade na política, entretenimento e economia. Gente com menos de 30 anos e que desafia a etiqueta usando moletons surrados e cabelos desgrenhados. Não se deixe enganar pelas aparências, é tudo ilusão e faz parte de uma ideologia que vem redefinindo o que chamamos de sucesso, necessidade e relevância no mundo atual. Para fechar esta lista, um texto que é uma patada no livre mercado que alicerça o Vale do Silício. Para desgosto das big techs, baixe de graça aqui.

Câmara e Senado aprovam autoridade de proteção de dados

O Brasil está muito perto de ter um órgão que zele pelos dados pessoais dos milhões de usuários de internet.  A jornalista Cristina De Luca, que cobre o assunto de perto, dá mais detalhes aqui.

O Portal Privacidade fez um ótimo trabalho juntando o texto aprovado na Câmara e no Senado, e é possível fazer comparações.

Para saber mais sobre privacidade e dados pessoais, vá por aqui e aqui

Após a sanção presidencial, a medida provisória anterior se converte em lei, e a Lei Geral de Proteção de Dados passará a vigorar a partir de 20 de agosto de 2020. Olhos abertos.

Jornalistas devem seguir regras para usar dados pessoais de terceiros?

Jacob Granger informa no Journalism.co.uk que repórteres e editores estão sendo chamados para discutir bases de um código de conduta para a profissão que leve em consideração o uso dos dados pessoais de fontes e envolvidos em matérias e reportagens. O documento tentaria reequilibrar privacidade e liberdade de imprensa, mas atualizaria também o terreno agora que estamos vivendo em pleno capitalismo de vigilância ou dataísmo, como gosta de chamar o Yuval Harari.

Sim, jornalistas precisam discutir isso.

A questão é por onde começamos.

Outra questão é até onde podemos ir…

Sobre privacidade e transparência algorítmica

Grande parte de nossa privacidade online é corroída pela opacidade com que as grandes plataformas de tecnologia trabalham. Quer dizer: se as big techs fossem transparentes e nos dissessem como funcionam seus sistemas e algoritmos e como eles extraem e processam nossos dados, teríamos mais condições de exigir mais resguardo de nossos dados pessoais. E poderíamos combater abusos, sequestros e usos indevidos.

É o que se chama de transparência algorítmica. Precisamos disso. Queremos isso!

5 links pulsantes para pensar e agir!

Que animal você é nas redes sociais?

Você deve ter visto dezenas de testes com perguntinhas capciosas como esta nas suas redes, não é mesmo?

Foi sem querer. Juro.

Na verdade, eu estava pensando em bichos, em animais. Por essas combinações malucas que a cabeça da gente faz, acabei lembrando de como às vezes recorremos aos nossos afetos animalescos para explicar as coisas. E, de repente, cruzei lembranças de dois livros que li há algum tempo. Pensei em ratos, gatos e cachorros. E humanos também.

Eli Pariser disse no longínquo ano de 2011 que precisamos deixar de ser ratos. Ele estava nos explicando como funcionam os filtros-bolha, uma novidade que começava a dar as caras naqueles dias e que hoje – infelizmente! – nos é muito familiar. Pariser nos dizia que as redes sociais acabam nos encerrando em bolhas, lugares confortáveis que ecoam coisas parecidas com as que sentimos e pensamos. E que nos isolam daquilo que pode representar algum tipo de risco, incerteza ou ameaça. E Pariser também argumentava como somos previsíveis. Para isso, recorreu a uma rudimentar invenção humana, a ratoeira. Ele cita a taxa de sucesso (!) do dispositivo e diz que ele só funciona porque os ratos são repetitivos e, portanto, previsíveis. Caem na armadilha porque se deixam seduzir por um naco de queijo ou menos ainda. Como nós, nas redes. O recado de Pariser é: deixemos de ser ratos!

Outro cara, o Jaron Lanier, deu outro recado importante. Foi no ano passado. Lanier disse que as redes sociais e as grandes plataformas querem nos adestrar, querem nos fazer agir como cães, a seguir obediente as ordens, a fazer coisas que não nos sujeitaríamos antes. O recado: sejamos mais gatos e preservemos as nossas autonomias, personalidades e singularidades.

Lanier sabe o que diz. É um sujeito importante para a história da realidade virtual, alguém que ajuda a construir o futuro, mas não se deixa escravizar por máquinas ou sistemas. Pariser não é qualquer um também. Tem contribuições importantes para o ativismo social e a tecnologia, e tem posições muito críticas sobre a nossa organização política e comunitária, por exemplo. Lanier e Pariser merecem ser ouvidos, portanto.

(E lidos: O filtro invisível e Dez Argumentos para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais são leituras deliciosas e esclarecedoras, quando não engraçadas e assustadoras).

Combinados, os recados poderiam ser um só: humano deixe de ser rato e cachorro, e seja mais gato. Bob Marley já cantou isso de uma forma muito poderosa: “Emancipate yourselves from mental slavery. None but ourselves can free our minds” (“Liberte-se da escravidão mental. Ninguém senão nós próprios podemos libertar as nossas mentes”). Autonomia, amigos. Liberdade, amigos.

Cada vez mais tenho pensado nisso, e cada vez menos tenho ficado nas redes sociais. Elas têm me aborrecido mais do que informado. Elas têm me deprimido mais que me conectado com outras pessoas. Não preciso acreditar que deixar as redes sociais da internet seja abandonar meus amigos ou as pessoas que amo, admiro e respeito. Tenho me preparado para um desembarque. Tentado ser mais gato.

Por isso, pretendo cada vez mais estar neste blog. É a minha forma de te convidar a deixar as redes e ver o que está acontecendo aqui fora, na internet.

Um depoimento de como o Twitter afeta nosso comportamento

Marcelo Träsel já foi um usuário inveterado no Twitter. Opinava, informava, discutia, brigava. Mas há um ano está longe daquela rede social.

Algumas razões pessoais o levaram a isso, e o mais corajoso nem é se desligar da rede, mas fazer um profundo exame de consciência e uma revisão de suas atitudes. Passado um ano de abstenção, Träsel faz um relato pungente de como o Twitter continua fabricando babacas, de como pouco se importa com crimes e linchamentos pessoais, e de como isso nos faz cada vez piores.

Leia o Träsel. Pense a partir dele.

Não se engane com mais essa do Facebook

Mark Zuckerberg quer nos fazer acreditar que anda muito preocupado com a privacidade.

Por isso, está movendo suas pecinhas para que as mensagens diretas do Instagram, as do Messenger e o WhatsApp se fundam e fiquem todas sob um escudo protetor de criptografia de ponta a ponta. Isto é, Zuckerberg acha agora que é preciso mais segurança para o usuário e blá-blá-blá-blá!

Não se engane.

Se Facebook e demais big techs ganham a vida vendendo, trocando e usando os dados que extraem de nossas contas em redes sociais, por que fechariam a porta para não mais fazer isso? Ou no linguajar técnico: por que atentariam contra seu próprio modelo de negócios?

O repórter Alex Hern, do The Guardian, tem uma hipótese: Zuckerberg quer colar tanto suas companhias que vai ficar complicado quando burocratas dos Estados Unidos e União Europeia quiserem cindir seu império. Zuckerberg estaria apenas se antecipando no jogo de xadrez para não ficar acuado.

Com um misto de ceticismo e indignação, o jornalista especializado em tecnologia espanhol Enrique Dans qualificou a atitude de “insultante”.

Uma das mais importantes organizações de defesa das liberdades na web, a Eletronic Frontier Foundation, disse que só vai acreditar num Facebook focado na privacidade quando vir um. Eu também.

Como usuários, queremos privacidade e queremos transparência. Não minta, Zuckerberg! Não despreze nossa inteligência e capacidade de dúvida.

ATUALIZAÇÃO: As coisas não serão fáceis para o Facebook na Europa, pois sua ideia de integração pode ser o rompimento com o acordo anti-truste da região e uma afronta à legislação de proteção de dados. É por isso que o Facebook está pesando a mão nos lobbies. Inclusive no Brasil, informa The Guardian.

Relatório acusa Facebook de violar privacidade e pede punição

O Facebook deliberadamente violou a lei de privacidade e concorrência e deve urgentemente estar sujeito a regulamentação estatutária, de acordo com um relatório parlamentar devastador que denuncia a empresa e seus executivos como “gangsters digitais”.

O relatório é resultado de 18 meses de investigação e se debruça sobre desinformação e notícias falsas. O documento acusa o monstro tecnológico de obstruir investigação sobre o tema e de falhar em atacar as tentativas da Rússia de manipular eleições.

Em reportagem, o jornal The Guardian reproduz síntese do documento e falas contundentes do presidente do comitê, Damian Collins: “A democracia está em risco com o alvo malicioso e implacável dos cidadãos com desinformação e anúncios obscuros personalizados de fontes não identificáveis, entregues através das principais plataformas de mídia social que usamos todos os dias”.

Os parlamentares britânicos estão muito, muito irritados com o Facebook e querem impor limites à empresa. Não é só porque ele viole a privacidade dos cidadãos, mas também porque atente quanto à livre concorrência, seja demasiado poderoso e ofusque a democracia. Não é qualquer coisa. Ao que tudo indica, a coisa não vai parar no tal relatório…

A reportagem pode ser conferida aqui

Desinformação e eleições: uma publicação digital

A Artigo 19 acaba de lançar uma plataforma digital que junta reflexões e recomendações sobre desinformação, liberdade de expressão e eleições. A publicação digital traz ainda casos ocorridos na campanha eleitoral de 2018 no Brasil, episódios de ameaças a comunicadores, e entrevistas com especialistas. Entre os oito capítulos, um específico sobre WhatsApp…

Acesse aqui.

5 links fresquinhos sobre ética e privacidade

  • Marcio Moretto Ribeiro fala sobre o WhatsApp, sua criptografia de ponta a ponta e sua capacidade para espalhar desinformação. Para o autor, que é um dos coordenadores do Monitor do Debate Político no Meio Digital, a privacidade não combina com broadcast. Que dizer: temos um problema de foco aqui.
  • The Guardian informa que o Tribunal de Justiça Europeu decidiu preliminarmente que o direito de esquecimento não vale para todo o mundo, mas apenas se aplica aos países que fazem parte da comunidade européia. Parece óbvio, né? Mas a disputa é mais complexa se levarmos em consideração que a internet não respeita fronteiras e que o direito ao esquecimento é entendido por alguns como um desdobramento dos direitos civis, extensivo portanto a todos os seres humanos…
  • Já que é assim, que tal intensificar seus cuidados digitais? Afinal, segurança digital é o oposto de paranóia, como dizem os caras do Autodefesa. No site deles, dicas, manuais, técnicas, tudo em português e descomplicado. Favorite, navegue à vontade, e volte sempre que puder.
  • Mesmo se protegendo, os Cinco Olhos estão de butuca! O Privacy News Online conta em detalhes e em 4 partes como a NSA espiona todo o mundo.
  • Esta é para pesquisadores: a Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits) já está recebendo propostas de comunicações para seu 6º simpósio, que acontece em junho em Salvador. Mais detalhes aqui.

Para odiar Facebook, Google, Uber…

A leitura de Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política, de Evgeny Morozov, deixa um recado claro: tudo bem odiar as grandes empresas do Vale do Silício e seus tentáculos espalhados em nossa vida contemporânea.

Se você desconfia da felicidade plena que nos vendem as grandes plataformas, se você não acredita no paraíso digital que nos soterram com seus anúncios, este é um ótimo livro para começar o ano. A coletânea de nove artigos publicados nos últimos anos na imprensa europeia pelo pensador bielorrusso é uma grande oportunidade também para os leitores de língua portuguesa que ainda não conheciam suas ideias críticas.

Morozov é uma das vozes mais ácidas e lúcidas do momento, e seus disparos não são movimentos instintivos de um tecnófobo ou ludista. Com argumentos sólidos, exemplos atuais e linguagem clara, ele se opõe ao que chama de solucionismo tecnológico, denuncia a falácia da economia do compartilhamento, e mostra que as Big Tech são menos o hall colorido dos escritórios do Google e mais uma face cosmética do apetite infinito do capitalismo global. O autor também chama a atenção para a corrosão incessante de nossa privacidade e vida íntima, para as contradições que cercam a ascensão dos dados como “novo petróleo” e para os efeitos na organização política e social dos humanos…

Ouçam o Morozov. Leiam o que ele escreve. Pensem no que ele diz.

Comércio de dados pessoais no Brasil: um relatório

Os coletivos Tactical Technology e Coding Rights acabam de publicar um importante relatório sobre o comércio de dados no Brasil. Nesses dias pré-eleição, o tema do momento é a avalanche de fake news, mas há mais coisa acontecendo bem debaixo do nosso nariz.

Um resumo pode ser conferido aqui, e a íntegra do estudo, aqui.

Enquanto isso, Tim Cook – o poderoso da Apple – reconhece que privacidade não tem sido uma prioridade lá no Vale do Silício.

 

Enfim, uma lei de proteção de dados brasileira!

Foi sancionada ontem a Lei Geral de Proteção de Dados, instrumento que vai ajudar a regular a interceptação, uso, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais no Brasil. A lei já era esperada há muito tempo porque os dados hoje são uma moeda cada vez mais importante na economia global. Não tem a ver só com dinheiro. Tem a ver com privacidade, transparência, liberdade e autonomia dos usuários e cidadãos. Todos precisam de segurança jurídica em meio à vida conectada!

O Brasil estava atrasado nesse caso. Mais de 120 países já tinham regras para o setor.

É uma vitória da sociedade, mas o texto sancionado ontem por Michel Temer teve vetos importantes, e o maior deles é com relação à criação de uma autoridade nacional para fiscalizar o setor. Temer ignorou especialistas, empresas de tecnologia, órgãos de defesa do consumidor, ativistas e até mesmo o Comitê Gestor da Internet, que pediam que o texto aprovado na Câmara e Senado fosse sancionado sem vetos.

A lei foi publicada hoje no Diário Oficial da União. Veja aqui.

Para entender os vetos, veja aqui e aqui.

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) já tem uma avaliação do impacto dos vetos e manifestou preocupação.

O que acontece agora?

  1. A sociedade precisa batalhar pela criação de uma autoridade de dados. Sem ela, a lei é frouxa, manca, caolha… O Poder Executivo pode mandar um projeto de lei ou uma medida provisória para a Câmara. A segunda alternativa é mais rápida, principalmente em ano eleitoral.
  2. A lei passa a vigorar daqui a um ano e meio, em 2020.
  3. A lei complementa o Marco Civil da Internet no que se refere a dados pessoais. Empresas, governos e cidadãos vão precisar se adequar às novas normas. Isso é bom para o usuário, principalmente, que estava totalmente descoberto legalmente nesse assunto.

Senado aprova lei de proteção de dados; falta a sanção…

Numa conjunção astral poucas vezes repetidas, setores quase sempre antagônicos se uniram para pressionar os senadores brasileiros para aprovar o texto da lei geral de proteção de dados pessoais. E não é que deu certo? Na tarde do último dia 10 de julho, o Senado apertou o botão Enter do que pode se tornar o marco legal para que empresas, governos e pessoas se ajustem em termos de recolhimento, processamento, comercialização e uso de dados pessoais. O texto já havia sido aprovado na Câmara no finalzinho de maio graças a uma boa costura do relator, Orlando Silva (PCdoB).

Então, já temos lei, certo? Errado.

O texto vai para a sanção presidencial e há disputas intestinos que trazem ao menos duas dúvidas: Michel Temer vai assinar o texto completo (sem vetar nada)? Teremos mesmo um órgão que vai funcionar como autoridade na área?

Na newsletter do The Intercept Brasil, a editora Tatiana Dias conta que o tema é tratado como prioridade para a segurança institucional da presidência da república. Sim, o mesmo setor que dirige (an?) a Abin. No UOL, Cristina De Lucca, que acompanha os passos do projeto de perto, chama a atenção para os movimentos de bastidores. Miriam Aquino, no TeleSíntese, diz que a Casa Civil faz reuniãozinha na semana que vem sobre o tema.

Quem se preocupa com privacidade não pode relaxar ainda…

 

Um exercício de generosidade na pós-graduação

É muito comum que disciplinas no mestrado e doutorado rendam artigos científicos para serem publicados em revistas acadêmicas e ponto final. É assim na área da Comunicação e em campos próximos, e a ideia é matar dois coelhos de uma só vez: o texto serve de instrumento de avaliação da matéria e incrementa a produção, cada vez mais cobrada.

Repeti essa fórmula diversas vezes, mas decidi arriscar mais no primeiro semestre deste ano: propus aos alunos da disciplina de Estudos Avançados em Ética Jornalística que não escrevessem artigos, mas se dedicassem a produzir verbetes para a Wikipedia!

O objetivo era incentivar a produção de novos conhecimentos e a disponibilização disso para um número maior de pessoas. Não é segredo pra ninguém que artigos científicos são muito pouco lidos e ficam praticamente confinados no restritíssimo círculo de pesquisadores. A Wikipedia, ao contrário, é extremamente acessível, muito popular entre os usuários mais jovens da internet e cada vez mais aceita como referência imediata pelas pessoas.

Minha ideia não é nada original. Aliás, me inspirei claramente no trabalho que o professor Ruy de Queiroz já realiza no Centro de Informática da UFPE e vem alimentando a Wikipedia com verbetes sobre inovação, tecnologia e sociedade. Já o meu amigo Carlos D’Andrea, que escreveu uma tese sobre a Wikipedia, nos forneceu detalhes preciosos sobre como ela funciona e como se organiza.

Para minha satisfação, a turma aceitou o desafio de imediato e produziu verbetes que ajudam a abastecer o conhecimento do Jornalismo e da Comunicação em nossa língua naquela enciclopédia. Ao fazer isso, mestrandos e doutorandos desceram da Torre de Marfim e precisaram adaptar as linguagens de seus textos para que pudessem ser absorvidos por um público muito mais amplo que o habitual. Também aprenderam a operar na plataforma de edição da Wikipedia, para além de enfrentarem conceitos muitas vezes complexos e ainda inéditos na versão lusófona da enciclopédia. Como os verbetes não levam assinatura, os pós-graduandos também demonstraram não só rigor científico e capacidade de adaptação de linguagem, mas também desapego e grande generosidade. Afinal, escapando da fogueira das vaidades acadêmicas, ofereceram suas contribuições de forma anônima para ampliar a inteligência coletiva internética, podendo ver seus verbetes serem atualizados, editados e acrescidos a qualquer momento e por outros autores…

O resultado pode ser conferido em verbetes como Credibilidade Jornalística,  Reportagem Investigativa, Legitimidade Jornalística, e Interesse do Público, por exemplo.

Na minha avaliação, foi uma ótima experiência! Na prática, meus queridos alunos responderam a três questões capitais: É possível ser generoso num ambiente competitivo como a pós-graduação? A universidade produz conhecimento para quem? E para quê?

Câmara aprova proteção de dados pessoais; bola está com o Senado

O plenário da Câmara Federal aprovou ontem à noite – 29/05 – projeto de lei de proteção de dados pessoais. Havia uma corrida entre Câmara e Senado para ver quem votaria primeiro, já que tramitavam projetos distintos liderados por PC do B e PSDB. Cruzou o disco final o deputado federal Orlando Silva, que fez a melhor e mais eficiente costura entre as partes na Câmara. (Os detalhes sobre isso são melhor narrados pela jornalista Cristina de Lucca)

O projeto segue agora para o Senado para nova deliberação.

Mas não há como negar: temos uma boa notícia na área, pois um passo decisivo na regulamentação do tema foi dado no país!