cenas do top-top, ética na política e a ética jornalística

Marcos Palacios convida e eu topo a tarefa. Ele se refere ao vídeo obtido de forma clandestina que mostra importantes assessores do governo federal vendo a matéria do Jornal Nacional que sinalizaria falhas de ordem mecânica como causadoras do acidente da TAM esta semana. Os assessores deixam escapar algum júbilo por meio de gestos obscenos. Um faz o tradicional top-top, batendo a mão espalmada sobre a outra em forma de punho. Outro estende os braços e os contrai, como se estivesse remando…

Se você não viu o vídeo, acesse aqui.

Veja também o pedido de desculpas de Marco Aurélio Garcia.

Mas vamos aos fatos:

1. As imagens dos assessores foram obtidas sem as suas autorizações, pela fresta de uma janela, do lado de fora de um prédio.

2. Os gestos não foram feitos publicamente. Os gestos parecem demonstrar reações privadas dos assessores, mesmo que sejam revoltantes a quem assiste.

3. Mesmo pessoas públicas, como os assessores em questão, têm direito à privacidade.

4. Mesmo pessoas públicas, como os assessores do episódio, podem ter reações infelizes, basta lembrar do caso da ministra Marta Suplicy.

5. Tecnicamente, os jornalistas da Rede Globo invadiram a privacidade dos assessores.

6. Mas tecnicamente também estavam fazendo o seu trabalho, marcando de perto o governo nos dias seguintes à maior tragédia da aviação brasileira.

7. Embora tenham desrespeitado um direito particular, os jornalistas o fizeram em nome do interesse público. Pelo menos é o que se depreende, já que os jornalistas em questão não são notadamente paparazzi e os seus objetos não são celebridades. O flagra foi importante, embora traga também elementos de ordem política. A imprensa – e a população, pode-se dizer – esperava uma reação rápida do governo frente ao acidente, mas o Planalto demorou a aparecer.

8. A imprensa ficou em cima, e pinçou a imagem dos assessores, trazendo para dentro da arena o governo. Arrastando o governo para o debate.

9. A invasão de privacidade justifica a obtenção daquelas imagens? A cobertura do acidente poderia prescindir daquelas imagens, pois elas não trazem nenhuma informação adicional sobre as causas do desastre. Trazem, sim, elementos políticos que corroem ainda mais as desastradas ações do governo nesta crise aérea. Por outro lado, a invasão de privacidade traz elementos desconhecidos do público, como a postura de compostura de autoridades em alguns momentos. O episódio lembra o flagra de câmeras da própria Globo em 1997, quando o ministro Rubens Ricupero disse as célebres frases: “O que é bom a gente mostra. O que é ruim, esconde. Eu não tenho escrúpulos quanto a isso”. Deu no que deu: o ministro do Real caiu em seguida. Afinal, parabólicas em todo o Brasil retransmitiram de forma inconfidente as confissões do chefe da Economia nacional.

10. Um velho ditado diz o seguinte: quem tira a foto não é o fotógrafo, mas o modelo. Isto é, a pose quem faz é o objeto da câmera. Neste sentido, celebridades e famosos, notáveis e autoridades devem sempre zelar (ou super zelar) por suas posturas, mesmo em locais prvados.

11. Os assessores poderiam processar a Globo por uso indevido da imagem? Tecnicamente, sim. Afinal, não lhes foi pedida autorização para uso da imagem, patrimônio inabdicável de toda pessoa. Entretanto, compensaria buscar reparação na justiça? Evidentemente que não. Pois o constrangimento gerado pelas imagens despe de qualquer legitimidade uma autoridade que age de forma tão desrespeitosa com o fato.

12. Resumo da ópera, pela minha ótica: A mídia estava no calcanhar do governo e setores subalternos do Planalto se deixaram flagrar em momentos infelizes. O governo errou (mais uma vez) na estratégia de se comunicar com o público, atrasando a sua aparição diante da tragédia. Os jornalistas agiram em nome do interesse público, muito possivelmente motivados pelas prováveis repercussões políticas que as imagens trariam. Os jornalistas desrespeitaram o direito à privacidade dos assessores, mas no cenário atual, de constantes frustrações do público diante da crise aérea, isso pouco importa. As imagens não ajudam a explicar o acidente, nem trazem qualquer alento às vítimas.

6 comentários em “cenas do top-top, ética na política e a ética jornalística

  1. Penso que os gestos dos assessores não têm assunto nenhum. Pode-se criticar outras acções ou falta delas por parte do Governo, agora dar importância a um gesto (igual ou menos mau do que o que o jornalista que captou as imagens deve ter feito) não acrescenta nada à informação.

  2. Gislaine, ok, estamos de volta. E a coisa começa na sexta… Passe por lá quando quiser. Será bem-vinda.

    Cadeira do Poder, obrigado pela visita. O gesto pode não ser notícia, mas as circunstâncias aliadas à comoção que tivemos aqui no Brasil com o acidente certamente tornaram o episódio mais combustível para a fogueira…

  3. Que bobagem essa história de autorização do uso da imagem. Se for assim não se poderia documentar um sequestro. Deveríamos pedir primeiro, e por escrito, a autorização do sequestrador. Se quisesse manter a privacidade, deixasse a cortina fechada.

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