as lições do dr. house

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Gregory House me fascina e me desconcerta. O médico rude, que evita contato com pacientes e que faz de diagnósticos verdadeiras peças de mistério, não poderia existir. Não porque não existam médicos briosos e que salvem vidas com a mesma obstinação de House e de seus dedicados pupilos. House não poderia existir porque esbarraria na primeira esquina do corredor. O Hospital-Escola no qual trabalha não admitiria nem manteria um médico como aquele, por mais brilhante que fosse. Isso porque na Medicina (como no Jornalismo), profissionalismo não se escreve apenas com o P de procedimentos técnicos acertados, de perícia. Mas também com o P de prudência, e House é tudo menos prudente.

Seus métodos são heterodoxos, suas condutas são repreensíveis e suas insubordinações mais desviam do que educam os jovens médicos de sua equipe. Ele não é um bom professor, pelo menos no modelo dos velhos mestres. House não tem paciência, não é repetitivo, e nem se preocupa com isso. Não está lá para ensinar.

Alguém poderia completar: está lá para salvar vidas.

Será mesmo?

Não tenho esta certeza. House não é do tipo humanitário. Não é idealista, nem missionário. Pouco ou quase nada lhe interessa. Quando inevitável, atende um ou outro paciente. Com desdém. Mas não porque desrespeite o doente, a dor alheia. Acho que não. House tenta se focar no que interessa. Quando vê que o paciente não tem nada de efetivamente grave, chacoalha os ombros e saca recomendações tão surpreendentes quanto suas tiradas sarcásticas.

House se interessa apenas pelos grandes casos, os mais desafiadores e delicados. Os mais controversos e obscuros. Os mais confusos. O homem é um cerebral, um investigador de casos clínicos. O conjunto mais complexo e improvável de sintomas chama-lhe a atenção de imediato. Atrai seus dois curiosos olhos azuis. E lá vai mancando até a causa.

Aliás, taí uma metáfora inteligentíssima dos produtores da série de TV: o detetive das moléstias arrasta-se até o agente causador da doença. O médico dá passos tortuosos rumo à sanidade. Assim caminha a humanidade.

De quebra, os produtores colocam um médico fora de série com um defeito físico que o fragiliza diante de seus pares e dos pacientes. Mas que nada. O ponto mais sensível de House é em outra parte, mais acima, no ego. Não é à toa que ele gosta dos grandes casos, afinal se considera um grande craque, e com isso não há tempo a perder. A cena clássica que se repete é House, apoiado em sua bengala, inclinado em frente a um quadro branco com um pincel atômico na outra mão. Está numa sala de reuniões e os jovens médicos de sua equipe passam a desfilar prováveis causas que explicariam aquele estranho comportamento do paciente. House vai descartando um a um. Os diagnósticos se liquefazem, derramam-se diante do mestre. Nada passa de teatro. Parece que House já sabe desde o início.

Se sabe, a gente é que não sabe.

Com isso, o indisciplinado médico aterroriza a administradora do Hospital-Escola com seus procedimentos indesejáveis, confunde a jovem Cameron e desagrada a Chase e a Foreman. Apenas o doutor Wilson, o oncologista pouco mais velho que os pupilos, demonstra ter algum acesso à caverna de sentimentos que House guarda.

Mas pouco vemos disso. Há muitas vidas a salvar e doenças as mais absurdas a se esconder atrás de falsos diagnósticos, de leituras equivocadas de raios x, de efeitos colaterais que se travestem de sintomas.

House, embora não queira, ensina muito. A quem o acompanha no cotidiano clínico e a quem assiste a sua performance. Aprendemos que sempre os males têm início em coisas miúdas, microscópicas, invisíveis. Lembre-se: House é um infectologista, e todas as suas respostas apontarão vírus, fungos, bactérias ou coisinhas desse tamanho. Parece o óbvio, mas não é. Na vida, é assim também. Os grandes problemas não são causados por grandes agentes, mas por coisas periféricas, aparentemente sem importância. Nossos maiores impasses começam com picuinhas, com coisinhas mal resolvidas que teimamos em jogar para baixo do tapete.

House ensina ainda que as coisas não são resultados de algo isolado, mas que há uma combinação de fatores. Assim, não é apenas o vírus W3 que provoca a doença, mas a predisposição genética do paciente, e seu comportamento desregrado, associados ainda a um fator do acaso que teria desencadeado toda a seqüência. De novo, na vida, é assim. Não é a gota d´água que transbordou o copo a mais importante. Outras mais possibilitaram aquele estado de coisas, e outros aspectos contribuíram para que deixassem a torneira suficientemente aberta.

House ensina, apronta um monte e faz com que às vezes, a gente ame odiá-lo. Ele manipula os mais jovens, chega a torturar pacientes para que dêem consentimentos a certas tarefas, ignora o risco e parece querer brincar de deus a todo momento. E com a vida alheia.

São raras as vezes que erra. Sua intuição ou persistência, ou sandice, não falham.

Mas House não poderia existir na realidade. Não iria longe, como já foi este post. Foreman o processaria por discriminação. Camerom se apaixonaria por ele, o que pode ser a ruína do médico. Chase faria beicinho. A comissão de ética do hospital o afastaria de suas funções em poucas semanas. O Conselho Federal de Medicina cassaria seu registro. O conselho do hospital o demitiria.

Aí, House iria claudicando até outro seriado. Não chegaria a Lost, pois é muito longe. Talvez se aproximasse de E.R., mas seu ego não passaria da porta. Em C.S.I., nada o atrairia: lá, as pessoas já morreram, e o desafio é outro. Possivelmente, House observasse Monk de longe, vendo nele uma boa oportunidade de clinicar. Mas desistiria em dois minutos: ninguém poderia ser mais esquisito e cheio de manias que ele…

15 comentários em “as lições do dr. house

  1. Professor parabéns por este post. Eu virei fã a pouco tempo de House, mas todas as situações que acontecem na série me fascinam. Só que o mais interessante é que os outros personagens ficam perdidos quando House não está por perto, mostrando a grande importância dele. Claro que concordo que na vida real Dr. House não iria muito longe. Ou ele é demitido ou se adapta as regras, algo que para ele é muito difícil.
    Novamente parabéns! Vejo que é fã de séries igual a mim! Boa noite.

    Tenho um blog sobre séries se quiser dar uma olhada é só entrar: http://deiamartins.wordpress.com/

  2. Por que a TV brasileira, com o mesmo recurso que usa pra novelas, não aposta um pouquinho em umas produções mais-mais, né não?

    Uma coceira que dá ao assistir as produções dos states é a de ser roteirista dessas paradas. Imagina a loucura que deve ser. Ou seja, lá escritor tem muito que fazer e trabalha. Aqui no Brasil, só reclama (por causas óbvias, é claro), quando não faz cara de bunda.

    Legal o post. Tou precisando assistir alguma coisa boa de novo. Não tenho mais visto nem filme tosco. Abraços

  3. Professor Rogério, confesso que não assisto a séries. Mas achei interessante sua análise sobre House.

    Na verdade estou aqui para te fazer uma questão sobre o jornalismo. Sou aluno da Univali do 2º semestre e fui seu aluno no 1º.

    Então, quero saber se a regulamentação profissional do jornalismo diz algo sobre as empresas jornalísticas de hoje usarem máquina fotográfica digital, assim, substituindo a analógica. Se existe alguma discusão ética sobre isto dentro do jornalismo. Admito que se já discutimos isto em alguma aula, não me lembro. Reflito isto, pois a Justiça não aceita como provas fotos de aparelho digital e talvez isto seja desvantajoso para empresas jornalísticas quando precisam provar algo através de fotos. Se o digital pode ser manipulado, como um jornalista ou sua empresa irá se defender quando precisa de determinada foto como prova, se ela não é válida para a justiça e, mesmo assim, a empresa disponibilizou somente esta tecnologia mais avançada para o profissional? Como será que isso pode ser discutido falando de um jornalismo sério?

    Se possível, por favor, me responda por e-mail. Para mim é mais fácil e talvez possamos estender mais o assunto.

    leonardo_mj_hs@hotmail.com

    Abraço

  4. Deia, vou passar pelo seu blog. Também curto séries, mas não sou um especialista. Sou de Lost e como estamos na entresafra, busquei House. E tou na do doutor… devorando a primeira temporada e partindo pra segunda.
    Semana passada, terminou a terceira nos EUA… e a quarta já está sendo tramada…

    RogerKW, deixe de fazer as coisas mais chatas do mundo e pegue uma dessas séries na locadora. Baixe na sua máquina, assista com calma e depois delete. Assim, vc relaxa meu velho…

    Leonardo, como consultoria online é mais caro, vou responder às suas questões por email, ok? abraço e volte mais vezes. Mesmo não gostando de séries…

    Taí, adri! Mais uma coisa em comum: Foucault, Blogs, House, U2…

  5. Dae querido, acho que um dos motivos (psicanalíticos, eh, eh, eh) é que a gente gostaria de poder agir como ele, dizer o que pensa, sem a preocupação com o que vão pensar de nós, com as regras, com o politicamente correto, etc, etc, etc. Mas concordo com a Adri (que não sei quem é, mas concordo). House é humano, por mais que tente escondê-lo, marcará-lo com sua arrogância e suposta insensibilidade. Alguns episódios da 3ª temporada deixam isso mais a mostra. Acho que ele é uma grande metáfora do nosso tempo, egocêntrico, mas solitário, precisa ser individualista pra ser inatingível (até onde der), nem que tenho que fingir ser alguém que talvez não seja de fato. Porque amamos tanto as séries? Talvez porque a vida também nos force a desempenhar vários papéis e tenhamos tão raros momentos para sermos nós mesmos. como dizia Huxley, ora ou outra precisamos tirar férias de nós mesmos.
    Grande beijo

  6. Bem, apesar do insubordinável doutor não ligar a mínima para os pacientes, ele vai lá e resolve. O que eu vejo aqui no Brasil, são médicos que não se importam com ninguém e nem sequer conseguem dar um diagnóstico acertado. O paciente fica jogado ao Deus dará. Não devemos desejar um médico que nos ame. O que esperamos é um médico competente e determinado, que faça até o impossível para definir um diagnóstico e estabelecer o melhor tratamento.

  7. Adorei o post, professor!! Tenho uma verdadeira fascinação por seriados onde há investigação, mas este tem um “Q” a mais. A situação nos é apresentada, os médicos discutem a respeito do problema e raramente concordam com o House. O excêntrico House entra em campo e simplesmente diz o que pensa sem papas na língua e, é exatamente isso que admiro neste seriado, ele jamais “falta com a verdade”, sempre fala o que precisa (pensa) sem enrolações. Logicamente, na vida real ele não iria muito longe, este modelo de profissional mesmo sendo competente cairia fora por não se adequar as regras, mas como em toda regra existe uma excessão e a base de qualquer profissional deve ser a credibilidade com toda a certeza House excerceria sua profissão sem problema algum em qualquer lugar.
    Valeu professor, as tuas aulas são ótimas!!!

  8. Francisco, o House é insubordinável e insuportável. Por isso é inimitável e admirável…

    Fernanda, uma pergunta: você se consultaria com um médico que nem sai da sala dele? hehehehe

  9. Se eu fosse a Fernanda responderia assim: claro que faria a consulta, pois provavelmente estaria la na sala do House com ele, logo ele nao precisaria sair. Se fosse necessario consultar com o time de fora, ainda assim estaria em vantagem, o time é todo bom, o House é bem assessorado ele nao é bom sozinho. Os bons trabalham em equipe. Como não sou a Fernanda…bom, deixa eu ficar na minha né?Intrometida!!!!

  10. Desculpe a demora professor, mas a correria é grande!!! Com relação a pergunta que me fizeste, concordo com a Gislaine o House tem uma grande equipe e a dirige muito bem…com toda a certeza consultaria com ele sim!!!!!
    Valeu, bjs!!!

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