enchentes em itajaí (5)

Retornei ontem à noite para casa. Foram mais de 80 horas de tensão permanente, apreensão, e sofrimento. Voltamos e enfrentamos a lama e a sujeira. Na segunda, barcos passavam na frente de casa, onde o nível da água chegou à minha cintura. Em casa, o lodo marcou 30 cm nas paredes. Foi pouco, muito pouco, perto do que vi pela cidade. Tenho amigos que perderam tudo, pois a água tomou as habitações por completo.

Foi tudo muito rápido. Muitos não acreditavam que seriam atingidos, já que suas casas tinham mais de um piso. Outros nem tiveram tempo para retirar seus carros ou móveis. Felizmente sobreviveram, mas outros não.

A enchente aconteceu no domingo, e conforme os dias iam passando, crescia a ansiedade para conferir o tamanho do estrago. Quem havia deixado sua casa queria logo voltar. No retorno, surpresa, perplexidade, tristeza, solidão. Desolação.

Sorte, azar, destino

Diante de tudo o que vi, diante de tudo o que vejo e leio, não consigo me desviar de um sentimento: fui poupado. Me sinto um afortunado por ter sobrevivido, por ter sido pouco atingido e por tantos amigos que me ligaram, me escreveram, enfim, ofertaram ajuda, conforto e solidariedade.

São quase cem mortos. Os números não estão consolidados. Teremos mais corpos, inevitavelmente. Nas ruas, já desde ontem, restos de móveis, entulho, e lixo se acumulam. Camas, portas, sofás, geladeiras, fogões, berços, guarda-roupas, pedaços de madeira, mesas, todos jogados. Não prestam mais. Em alguns pontos, muros inteiros caíram, trechos de rua cederam, placas e postes tombaram. As ruas estão marrons, com lama ressecada, sujeira e desordem.

Na segunda, o trânsito era caótico. Carros na contramão, semáforos sem funcionar, filas e impaciência. Enxurradas leitosas como café-com-leite. Na terça e na quarta, saques em vários pontos assustaram a todos. Parecia o caos, uma terra sem lei, uma falência completa da ordem. Hoje, decretaram toque de recolher, e após as 22 horas não se pode andar pela cidade sem justificativas. É uma tentativa de restabelecer a segurança, e resgatar a sorte.

Operação de guerra

Na segunda e terça, fiquei impressionado com o circo armado em Itajaí. Havia policiais civis, militares e federais atuando. Chegaram homens da Marinha e do Exército e alguns da Força de Segurança Nacional. Vi o Bope também nas ruas. Vi lanchas nas principais ruas, blindados e muitos caminhões camuflados, como as fardas dos militares. 23 helicópteros coalharam o céu.

No Centro de Eventos da Marejada, chegavam carretas e mais carretas com alimentos, roupas, colchões e cobertores. Cordões de voluntários desembarcavam as cargas fazendo as chegar nas pilhas no canto do imenso pavilhão. Havia um espírito impressionante de preocupação, de urgência, de querer ajudar. Mais impressionante é perceber como as pessoas estão se reerguendo. Nas ruas, ainda impera um silêncio tenso. As pessoas se olham nos olhos, se comunicam num instante, tornam-se cúmplices na desgraça.  Todos aqui têm uma história para contar sobre a tragédia. Todos. Isso é inesquecível, atordoantemente inesquecível.

Mas parece que a coragem dessa gente é maior que o pesadelo, que a devastação. Me arrepiei há pouco com isso, com a vontade sem fim de dar a volta por cima.

Tenho aprendido tanto nesses dias! Tenho visto tanta coisa, e pensado tanto na vida! Esta é uma experiência transformadora. O pesadelo ensina.

Esses são dias em que se envelhece anos.

10 comentários em “enchentes em itajaí (5)

  1. Cara, belíssimos (apesar da gravidade) relatos! Estava em Barra Velha, de frente para o mar, no sábado, quando a desgraça começou. O vento chicoteava nas janelas, soltou um toldo da casa. Acordei de madrugada e achei que viria um Tsunami, tamanhas as ondas e a altura da maré. A praia tinha sumido. Comecei a acompanhar em tempo real, via os colegas do AN, a situação em Joinville. Se tivesse ficado na cidade, estaria ilhado. Moro logo na beira-rio. Por sorte, aqui temos influência de maré e a água baixou rápido. Mas quando comecei a ver a situação no Vale, pensei logo na minha família em Brusque, que, pra variar, mora em morro (aquelas típicas escadinhas). Liguei, mandei e-mail, nada. No domingo saberiam que ficaram mais de 24h sem energia, água e telefone. Uma barreira caiu sobre uma casa, derrubou árvores e postes durante a chuvarada e deixou eles isolados, sem supermercado, sem nada por perto. Aí deu aquele aperto-espanto: caraca, isso tá acontecendo aqui, aos nossos olhos! E aí o rabalho no jornal, e mortes que aumentam, e comunidades inteiras isoladas. E, meu deus, a coisa é pior do que se poderia imaginar. Mais corpos, mais casas ao chão. Aquela visão paralisante de Itajaí. E o anúncio de ajuda, pão a R$ 3 em Blumenau, os saques. Pensei, também, como vocês, no Saramago e o Ensaio sobre a Cegueira. Aí os helicópteros vindo, Bombeiros, Defesa Civil, Samu, o anúncio do hospital de campanha. Vr o trabalho dessa gente, os uniformes sujos de lama até o pescoço, aquela perseverança mesmo que seja para dar um destino digno aos mortos. Pensei nessas gente como a gente. Nesse povo pacato do Vale, que trabalha a vida toda para comprar seus móveis, fazer sua casinha, ter seu carro, sustentar suas galinhas e cachorros. E me arrepio de saber que poderia ser qualquer um de nós, de saber que daqui há décadas filhos e netos estarão se referindo àquela trágica enchente de 2008. Só não me conformo é de, numa hora dessas, não podermos largar tudo e se meter no barro, na lama, a bordo de tanques de guerra e helicóptero e juntar os cacos dessa história num livro-reportagem. Não me sai da cabeça. Devorei tudo o que encontrei sobre as chuvas nos jornais. Apesar de não reclamar da cobertura, quando a gente digere tudo, se pergunta: e aquele cidadão que perdeu todos os familiares, aqueles que ficaram no meio do mato sem luz até a chegada de um helicóptero, essa semana? Sabe, aquele desejo de ir a fundo nas histórias. De imprimir na história, para nunca mais esquecermos essa calamidade tão devastadora quando uma guerra. Uma das lições disso tudo é sobre fragilidade, acostumados que estamos ao conforto, ao telefone, à conexão, às facilidades. Tire energia e água, tire comunicação e a comida, e nos defrontamos com o nosso lado bicho, os nossos medos de verdade, as nossas reações instintivas. Como disseste, alguns dias para envelhecer anos, em marcas e também sabedoria.

  2. Em momentos assim que se vê quem são os fortes de alma e corpo. Obrigada pela descrição… Quisera as tantas reportagens que foram ao ar nos últimos dias mostrassem como vc o sentimento disso tudo. SC vai superar. E vc é uma demonstração disso. sorte, amigo! E é isso, sigamos!

  3. Estamos pedindo a Deus que ajude essas pessoas superarem esses momentos de perdas e dores, porem ficará na história que a valentia desta gente e a fé em Deus não foram abaladas.

  4. Estamos pedindo a Deus que ajude essas pessoas superarem esses momentos de perdas e dores, porem ficará na história que a valentia desta gente e a fé em Deus não foram abaladas.
    É BOM TER AMIGOS NESTA HORA…ABRAÇOS…

  5. Boa Tarde!
    Meus amigos, sou morador de Itajai – sc, eu pensei que jamais passaria por esse pesadelo novamente, mas infelizmente estou vivenciando tudo novamente o que vivenciamos em 2010, infelizmente muitas pessoas perderam tudo em 2010 e estão perdendo em 2011, é muito triste vc construir o seu canto pra viver com a sua familia e derrepente se ver tudo tomado por aguas barrentas e muita lama, e não puder fazer nada absolutamente nada , pois vc fica impossibiltado de evitar essa situação, mas temos que agradecer a Deus por estarmos vivos , pois bem materiais vamos buscar novamente , sabemos que não é nada facil, mas somos brasileiros e não podemos desistir nunca, só espero que as Ongs , e Governo encaminhe as ajudas que Sta catarina receberá dos nossos irmãos Brasileiros para as pessoas que realmente necessitam , pois muitos espertalhões se beneficiam da situação pra se auto – ajudarem , vamos ficar de olhos , para que não ocorram o so erros do passado , gdo foi feita a distribuição ref. a ajuda aos necessitados!
    Vamos em frente!
    Sorte pra todos nós ,
    Abraços.
    Schneider

  6. Boa Tarde!
    Meus amigos, sou morador de Itajai – sc, eu pensei que jamais passaria por esse pesadelo novamente, mas infelizmente estou vivenciando tudo novamente o que vivenciamos em 2010, infelizmente muitas pessoas perderam tudo em 2008 e estão perdendo em 2011, é muito triste vc construir o seu canto pra viver com a sua familia e derrepente se ver tudo tomado por aguas barrentas e muita lama, e não puder fazer nada absolutamente nada , pois vc fica impossibiltado de evitar essa situação, mas temos que agradecer a Deus por estarmos vivos , pois bem materiais vamos buscar novamente , sabemos que não é nada facil, mas somos brasileiros e não podemos desistir nunca, só espero que as Ongs , e Governo encaminhe as ajudas que Sta catarina receberá dos nossos irmãos Brasileiros para as pessoas que realmente necessitam , pois muitos espertalhões se beneficiam da situação pra se auto – ajudarem , vamos ficar de olhos , para que não ocorram o so erros do passado , gdo foi feita a distribuição ref. a ajuda aos necessitados!
    Vamos em frente!
    Sorte pra todos nós ,
    Abraços.
    Schneider

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